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17 Doutorado em Ciências Ambientais. Professor do Instituto de Ciências da Educação (ICED/UFOPA).
18 Doutorado em Desenvolvimento Socioambiental. Professora do Programa de Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (Profnit/Ufopa).
19 Vinte anos após a inauguração da Usina, a cidade de Santarém passou por problemas de abastecimento de energia, e teve a demanda suprida pela compra de energia da usina de Tucuruí, no chamado Linhão Tramoeste.
20 O igarapé da Bica fica em uma área com um declive muito acentuado e com certa dificuldade de acesso. A descoberta de água possibilitou, dessa forma, a fixação dos primeiros moradores. O local era utilizado para a higiene pessoal, lavagem de roupas, lazer, preparo de alimentos, consumo humano e animal. De acordo com as entrevistas, o igarapé foi encontrado pelo senhor Quinzim, cunhado do senhor Raimundo Pereira
21 Inicialmente, o órgão responsável pela distribuição das terras no Estado era a Secretária Estadual de Agricultura do Pará (SAGRI-PA, no entanto, a partir de 1970, com a criação do INCRA e o Programa de Integração Nacional (PIN), as áreas de terra na faixa de dez quilômetros as margens das rodovias federais BR 230 e BR 163 seria destinada a colonização sob a tutela da União.
22 O primeiro responsável pela distribuição dos lotes na vila foi o senhor José Modesto. Posteriormente foi auxiliado pelo Senhor Luiz Ponte Alta;

Introdução

O processo de ocupação da região amazônica a partir do século XX, mais precisamente a partir da década de 1960 resulta do conjunto de ações implementadas pelo Estado Nacional, no âmbito da chamada Malha Técnico-Política, conforme denomina Becker (1988). Para esta autora, sob a ótica de prioridades nacionais, o Estado criou as condições para eliminar a situação de isolamento econômico e político entre as regiões brasileiras, encurtando distâncias e integrando o espaço (idem, p. 186).

Nesse contexto, a abertura de rodovias, bem como a estruturação de uma rede urbana e o fornecimento de subsídios e créditos especiais à iniciativa privada, são expressões materiais da ação estatal, visando a completa apropriação e ocupação do território amazônico (BECKER, 1988).

Porém, não bastava apenas ocupar, tornava-se necessário também implementar toda a infraestrutura técnica e industrial capaz de fomentar um processo de “desenvolvimento” em áreas potenciais da região. Assim, foram construídas agrovilas e rodovias de penetração com financiamentos especiais, incentivos ficais, apropriação de terras para a produção agrícola, e substituição de antigas formas de produção que evidenciava a Amazônia como um espaço para a expansão do capital. Esse movimento pode ser descrito a partir das seguintes relações: a) incentivos fiscais e financiamentos; b) valorização das terras; e, c) relações de troca (BECKER, 1982, p 169).

O impacto dessas políticas estatais pôde ser percebido na região da atual rodovia PA-370 a partir de meados do século XX, diante de um contexto de difusão da ideologia desenvolvimentista no município de Santarém, região oeste do Pará, inspirado por uma discussão desencadeada em nível mundial, e especificamente na América Latina com as teorias da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL).

Os defensores dessa ideologia acreditavam que o desenvolvimento regional se faria a partir do desenvolvimento de estruturas produtivas capitalista nos ramos industrial e de comunicação. Neste sentido, desde a década de 1950, percebe-se a discussão no município de Santarém sobre a necessidade do aproveitamento energético da cachoeira do Palhão, no Rio Curuá-una, que supriria a necessidade energética do município e como consequência atrairia indústrias para a região, gerando emprego e renda para a população.

Para a construção da Usina Hidrelétrica de Curuá-una nas décadas de 1960 e 1970, foi construída uma rodovia, e em suas margens houve o processo de povoamento de pequenos produtores, que formaram comunidades, além das que já existiam. Uma das comunidades que mais cresceram em volume populacional foi a comunidade de Boa Esperança, localizada no km 42 da citada rodovia.

Neste trabalho se objetiva analisar o processo de formação da comunidade de Boa Esperança inserindo-a em um cenário conformado pela expansão da fronteira agrícola, o processo de modernização da agricultura e as políticas de integração nacional propostas pelo Estado nacional, por meio da abertura de rodovias, construção de hidrelétricas, portos, aeroportos, apropriação de terras e instalação de grandes projetos agropecuários.

Os resultados são apresentados inicialmente com uma abordagem sobre o processo de construção da rodovia PA 370 e da UHE de Curuá-una, a partir de diálogos realizados com os comunitários, e análise de notícias veiculadas nos jornais locais da época, e pesquisa bibliográfica. Posteriormente, discute-se e analisa-se o processo de formação e consolidação da comunidade de Boa Esperança.

Materiais e Métodos

Lócus da Pesquisa

A comunidade de Boa Esperança situa-se na região de planalto do município de Santarém, oeste do Pará, entre as coordenadas geográficas 02°43’02,76”S e 54°30’26,40”O. Essa região integra a bacia do Rio Curuá-Una, afluente da margem direita do Rio Amazonas, onde instalou-se na década de 1970 a Hidrelétrica Sylvio Braga, também conhecida como UHE-Curuá-Una, e que serve também de referência para a rodovia estadual PA-370, que interliga o núcleo urbano do município de Santarém a hidrelétrica, sendo denominada de rodovia Santarém-Curuá-Una (Figura 01).

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Figura 01. Mapa de Localização da Comunidade Boa Esperança, Santarém (PA).

Essa região encontra-se sob características gerais de clima quente úmido. As temperaturas médias, máximas e mínimas anuais oscilam entre 25 e 26º C, 30 e 31ºC e 21 e 23ºC, respectivamente. A precipitação pluviométrica apresenta valores anuais oscilando em torno de 2.000 mm, com distribuição irregular, mostrando a ocorrência de dois períodos nítidos de chuvas, com o mais chuvoso abrangendo o período de dezembro a junho, concentrando mais de 70 % da precipitação anual. Em termos de classificação climática, a região encontra-se sob o tipo climático Am da classificação de Koppen. O tipo Am pertence ao domínio de clima tropical caracterizado por apresentar total pluviométrico anual elevado e moderado período de estiagem (Embrapa, 2001).

Quanto a vegetação, na região predominava formações florestais dominadas pela floresta equatorial de terra firme, que vem sendo bastante alterada ao longo dos anos em decorrência das mudanças de uso e ocupação da terra.

Procedimentos metodológicos

Para o desenvolvimento do trabalho, além do levantamento teórico-bibliográfico, realizou-se pesquisa documental no acervo do Instituto Boanerges Sena, onde foi possível acessar os jornais do município de Santarém desde a década de 1960. No Centro Cultural João Fona, pode-se acessar a edição do Jornal de Santarém, do ano de 1953. Nestes jornais, buscaram-se notícias que abordassem a temática sobre o desenvolvimento do município, para entender de que maneira, a sociedade ou pelo menos a imprensa local, percebia as políticas e discussões desenvolvimentistas que circulavam pelo país.

Além disso, pesquisou-se em um acervo contendo 144 fotos que registraram o processo de construção da UHE de Curuá-Una, do período de março de 1971 a novembro de 1973 encontradas por um funcionário do setor de manutenção da própria usina. As fotos estão organizadas em vinte e quatro folhas, com seis fotos cada. Além desta organização, todas as fotos têm legenda, e datas no sistema mês/ano.

Ressalta-se, a realização de pesquisa bibliográfica sobre trabalhos que também tem a comunidade de Boa Esperança como recorte espacial; sobre as políticas de desenvolvimento para a Amazônia, a modernização da agricultura e a expansão da fronteira agrícola. Nesta etapa da pesquisa foram levantadas obras de autores como Costa (1992, 2012), Martins (1980), Silva (1981), Oliveira (2005), Stella (2009). Nesse momento, descobriu-se um livro de autoria do senhor Raimundo Alberto dos Santos, morador da comunidade de Boa Esperança, que reuniu importante acervo documental, que aliados a sua memória, possibilitaram a realização de um importante trabalho histórico sobre a comunidade.

Procedeu-se também a coleta de dados em campo, em que realizou-se entrevistas não estruturadas com pessoas que já habitam a comunidade a mais de quarenta anos, e portanto, acompanharam as transformações sociais da mesma desde sua formação.

Resultados e discussão

A construção da PA-370 e da UHE de Curuá-Una: breve relato histórico

As origens da construção da rodovia estadual 370 (Santarém-Curuá-Una) e da Usina Hidrelétrica Sylvio Braga, mais conhecida como UHE Curuá-Una, ambas localizadas no município de Santarém, estão relacionadas à extração de Pau rosa (Aniba rosaeodora Ducke) realizada neste município nas primeiras décadas do século XX. Da espécie arbórea em questão, extraía-se o óleo essencial utilizado com a função de fixador nas indústrias de cosméticos, dentre as quais destacamos a Phebo LTDA, e a indústria francesa de perfumes Chanel, em especial com a criação do Chanel nº 5. (HOMMA, 2005).

A exploração da árvore em Santarém ocorria, principalmente, nas áreas de terra firme. Na década de 1920, foi aberto um ramal para a realização da exploração do Pau Rosa. No final do ramal foi construída uma usina de extração do óleo essencial, que passou a ser chamado de ramal ou estrada de Paxiúba, o qual foi abandonado na década de 1940 com o fim da exploração da árvore. (SANTOS, 2012).

Embora, a exploração econômica do Pau rosa tenha chegado ao fim, permaneceu no espaço os objetos construídos, com destaque para a estrada de Paxiúba, que a posteriori serviu de principal via de acesso à implementação da UHE de Curuá-Una.

As margens da estrada de Paxiúba se localizavam algumas comunidades como Jacamim, Perema, Tipizal e São Jorge. Em áreas mais distantes apenas alguns colonos se aventuravam em desbravá-la. Mas com a política de apropriação de terras, que até a década de 1960, estavam sob a tutela do governo do estado do Pará, foi estabelecido o processo de distribuição de terras as margens da rodovia em construção. A possiblidade de acesso a terra, e o meio para o escoamento da produção atraiu famílias de agricultores do município e de outras regiões. Neste contexto surgiram novas comunidades, como é o caso da comunidade de Boa Esperança, objeto de análise do presente trabalho.

A leitura dos jornais das décadas de 1950 e 1960 demonstra que a demanda por energia elétrica regular pela sociedade santarena era uma preocupação latente e que a ausência desta era um empecilho ao desenvolvimento do município.
Na década de 1950 após 15 anos de era Vargas, o país entrava em uma fase democrática, costumeiramente conhecida como anos dourados. Nesta década o cenário político nacional foi marcado pelo suicídio de Vargas, e pela eleição de Juscelino Kubitschek (JK), e a implantação do plano de metas, com a introdução de multinacionais do setor de eletrodomésticos e automobilísticos.

A era JK, também foi o período de afirmação do modelo rodoviário de integração de mercados, de forma que a construção da Rodovia Belém-Brasília (BR 153) ilustra bem este período. Além da própria construção da nova capital brasileira, materializando o sonho de interiorização do país e a marcha para o oeste. Esta época também é lembrada pela entrada de grandes volumes de capital estrangeiro por meio de empréstimos para a criação de estrutura de forças produtivas que caracterizou a política do nacional desenvolvimentismo.

Em Santarém, Pará, de acordo com o Jornal de Santarém (1953, p. 44), políticos locais estavam providenciando a montagem de uma usina movida por motores que não excederiam 1200 KW. Somente a Companhia de Fiação e Tecelagem de Juta de Santarém (TECEJUTA), consumia 750 KW, o que correspondia a mais da metade da energia produzida pela usina que seria instalada, portanto, as fontes energéticas disponíveis na cidade não produziam a energia necessária para o desenvolvimento e progresso.

As nossas entidades oficiais e particulares, ante os pruridos progressistas que os meios locais, temerosas e impressionadas por essa contingência deprimente imposta pelo nosso pauperismo debilitante em matéria de força motriz, estão cuidando de organizar em Santarém uma Usina de Fôrça e Luz, acionada por motores cuja potência não excederá de 1200 K.W. (FIGUEREIDO, 1953, p.46).

Em 1952, a prefeitura de Santarém contratou a empresa Servix Engenharia para realizar estudos para a construção de uma Usina Hidroelétrica (UHE). Pelo exposto a construção da UHE não foi uma ação implementada pelo Estado Nacional, mas sim uma demanda local e encabeçada pelo governo local.

De acordo com o Jornal de Santarém, no ano de 1952, a prefeitura de Santarém providenciou a abertura e o alongamento da estrada de Paxiúba, de forma a chegar até as margens do Rio Curuá-Una, na Cachoeira do Palhão, local onde foi construída a Usina Hidrelétrica.

Antes um sonho que raiava pelas alturas do impossível, hoje o aproveitamento da fôrça hidráulica do Palhão passou de antiga e simples quimera para o rol dos empreendimentos reais e plenamente exequíveis, através dos estudos preliminares já executados pela Servix Engenharia Ltda, do Rio de Janeiro, em contrato com a Prefeitura Municipal de Santarém. (FIGUEIREDO, 1953, p. 46).

Nota-se que a sociedade local já manifestava o interesse na construção de uma usina hidrelétrica no município. Fato efetivado cerca de uma década depois com a construção da UHE de Curuá-Una.

Por meio do levantamento documental, verificou-se que o Deputado Federal Sylvio Braga, entre 1959 e 1963, fez quatro pronunciamentos na câmara destacando a importância da construção do Porto de Santarém e da UHE de Curuá-Una. Outros deputados levaram ao governo federal as demandas santarenas, como Ubaldo Correa, João Menezes, Stélio Maroja e Júlio Viveiras.

Em 1962 foram realizados estudos mais precisos com sondagem e perfuração, pela “Grubina Engenheiros Consultores”. O solo arenoso lhe deu uma característica ainda mais peculiar, sendo a primeira usina construída no Brasil nessas condições. “Os engenheiros da Grubina descobriram grandes jazidas de minério de ferro compacto nas rochas do Palhão, o que constitui sem dúvida mais uma fonte de riqueza em pleno coração de Santarém” (PEREIRA, 1961, s/p).
Em 1966, com uma demanda maior de energia, o projeto teve que ser reformulado passando de 4 MW para 40 MW, o que, supostamente, supriria as necessidades energéticas de Santarém e Aveiro.

De acordo com Santos (2012), na década de 1960 iniciaram os trabalhos de abertura, desmatamento, terraplenagem e empiçarramento da rodovia. Com o início dos trabalhos de construção da rodovia, tem início as obras de  implantação da UHE de Curuá-Una e o processo de imigração para as suas margens.

Após as obras preliminares, as quais foram, a construção de ponte metálica, ensecadeiras, campo de pouso para aviões, usina térmica, posto médico, levantamentos topográficos, sondagens geológicas, entre outras, foram iniciadas, em 1968, as obras civis da construção e montagem da usina propriamente dita: barragem de concreto, com vertedor e descarregador de fundo, casa de máquinas com canal de descarga, instalações eletrônicas e subestação elevadora, barragem de enrocamento e terra, linha de transmissão para a cidade e subestação abaixadora em Santarém. (FONSECA, 1996, p.141).

O projeto da usina foi elaborado pela Eletroprojetos S.A. – Estudos de Projetos de Engenharia S.A. e a construção esteve a cargo do Consórcio C.R. ALMEIDA e CONTERPA (LIGOCK, 2003, p.96-97). No dia 19 de agosto de 1977, foi inaugurada a Usina Hidrelétrica de Curuá-Una, “quando a primeira turbina entrou em operação” (SARÉ, 2004, p.2).

O projeto inicial da UHE, de 1952, previa a construção de uma usina com potência de 04 MW. No entanto, com o crescimento populacional ocorrido nas décadas seguintes (quadro 01) e as expectativas de instalação de indústrias na cidade, o projeto foi modificado para uma potência de 40 MW, conforme falado anteriormente, ou seja, uma potência 10 vezes maior do que a prevista inicialmente.

Tabela 01.
Evolução populacional de Santarém (PA)

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Fonte: INSTITUTO BRASILEIRA DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, 2020.

Assim, a UHE foi inaugurada em 1977 com o funcionamento de apenas uma turbina, gerando 10 MW de energia, e se tornando a primeira UHE construída na Amazônia19 . A inauguração contou com a presença do presidente Ernesto Geisel, conforme noticiado no Jornal de Brasília, do dia 19 de agosto daquele ano.

Formação socioterritorial da Comunidade Boa Esperança

A formação de núcleos populacionais as margens dos rios, constituiu um dos padrões de ocupação de áreas na Amazônia. Até meados do século XX, os municípios da região estavam localizados às margens dos rios. Este cenário foi alterado com as políticas de integração regional, promovidas pelo Estado Nacional, com a construção de rodovias, que permitiram a ocupação e o aproveitamento econômico dos recursos naturais disponíveis, além da formação de diversos núcleos populacionais as suas margens.

A produção do território por meio da ação estatal que garantiu a abertura de rodovias e a formação de municípios na região em questão pode ser observado em menor escala, quando se analisa o processo de abertura de rodovias estaduais.

Assim, como o processo de abertura de rodovias federais, a abertura de rodovias intraestaduais possibilitou a formação de comunidades que posteriormente foram elevados à categoria de municípios na década de 1990.

A rodovia PA 370 é uma dessas rodovias, e conforme já relatado foi construída para garantir o acesso às obras de construção da Usina Hidrelétrica de Curuá-Una. Tais empreendimentos atuaram como catalisadores de mão-de-obra, atraindo migrantes de comunidades do próprio município de Santarém, e de estados do Nordeste e do Sul do país que a posteriore, ali fixaram moradia, formando o embrião de várias comunidades até hoje presentes na região, como a comunidade de Boa Esperança, por exemplo.

No contexto de formação socioterritorial da comunidade anteriormente citada, pode-se distinguir pelo menos três fases: I) Fase extrativista; II) Fase da formação e consolidação da comunidade; e a III) Fase da Especialização da produção e agronegócio. No quadro 02, apresentam-se as principais características de cada fase, as quais serão mais bem detalhadas nas páginas seguintes.

Tabela 02.
Fases do processo de formação territorial da Comunidade de Boa Esperança, Santarém (PA).

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Fonte: Organizado pelos autores, 2019.

O processo de construção da UHE-Curuá-Una e da rodovia PA-370 se estendeu até meados da década de 1970. É neste período que a energia elétrica chega até a comunidade de Boa Esperança, possibilitando, assim, a expansão do consumo de produtos eletro e eletrônicos pelos comunitários, com acesso a rede de energia elétrica.

Entende-se neste trabalho que este período da história do Planalto Curuá-Una se insere no contexto das políticas nacional-desenvolvimentistas do governo do Estado para a ocupação e uso da terra na região do Baixo Amazonas, na qual se destaca também a concessão de terras para o desenvolvimento de atividades agropecuárias. (SOUSA, 2017).

As comunidades da PA 370 foram formadas de maneira geral por pequenos produtores, responsáveis pela derrubada de áreas de mata nativa, sobretudo pelo uso de técnicas de produção tradicionais e cultivo da terra, baseado no sistema de corte e queima, com áreas de pousio.

Entre as décadas de 1950 e 1960, algumas pessoas começaram a se estabelecer em áreas as margens da estrada e em regiões mais distantes. Inclusive, no ano de 1961, o Senhor Raimundo Pereira da Silva, chegou no quilometro 42 da estrada onde construiu uma casa e plantou uma roça, batizando sua propriedade com o nome de Boa Esperança (SANTOS, 2012). É interessante notar que o nome do senhor Raimundo Pereira não consta no Livro fundiário da Gleba Ituqui, o que indica que as informações prestadas pelos servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que alguns colonos iniciaram o processo de titulação de suas áreas, mas não concluíram o processo.

No dia 21 de agosto de 1961, o senhor Raimundo Pereira trouxe sua família para morar na propriedade. Nessa época as áreas eram apenas ocupadas e deveriam ser feitas as bem-feitorias necessárias. Mesmo todas as dificuldades à época, outras famílias começaram a se instalar em áreas próximas à propriedade do senhor Raimundo Pereira. Uma das principais dificuldades encontradas pelos primeiros moradores da comunidade era a distância para se encontrar água, pois a princípio só se conhecia uma fonte, localizada na atual comunidade de Curupira, a cerca de 5 km do núcleo em formação. Esta situação durou até por volta do ano 1962, após descobrirem durante uma atividade de caça uma fonte de água pura e cristalina, a qual foi batizada de Igarapé da Bica20

No ano de 1966, chegaram na comunidade Manoel Barbosa, Raimundo Barbosa, Ademir Pereira de Sousa, Dino Araújo Galvão, Chico do Vovô e Gonzaga Belim (SANTOS, 2012). Em conversas informais realizadas durante a pesquisa de campo, pode-se constatar que esses moradores, até o que se sabe no presente momento, são oriundos de comunidades do próprio município de Santarém, como as comunidades de Planalto São José e Poço Branco.

Nota-se ainda a presença de antigos trabalhadores dos seringais que transitaram por boa parte do território amazônico durante algumas décadas e se estabeleceram na comunidade de Boa Esperança (NEVES, 2014).
Os moradores tiveram acesso a lotes para construção de suas moradias, e lotes de aproximadamente 25 hectares às margens da rodovia, e nos ramais que foram abertos para tornar mais eficiente a ordenamento do território21. (SANTOS, 2012; INCRA, 2005).

Desse modo, foram abertos o Ramal do Pilão, Ramal do Recreio, Ramal da Pedreira, Ramal do Gato, Ramal do Arroz Doce, e Ramal do 45.

No início dos anos de 1970, conforme já relatado, chegaram os primeiros moradores dos ramais das Pedreiras, do Pilão, do 45, do Recreio, do Arroz Doce e do Gato. Em 1972, a equipe catequética de Boa Esperança, indicou um comunitário para fazer a distribuição de lotes em tamanho 10x30m para as famílias, que desejavam morar na comunidade22. Em 1974, foi montada uma usina de beneficiamento de arroz, que responsável pela produção dos produtores de várias comunidades do planalto, canalizando parte dos recursos produzidos pelos agricultores do dessa região para a comunidade de Boa Esperança.

Com a abertura da rodovia e o loteamento das suas margens, os colonos passaram a desenvolver a agropecuária. De acordo com Santos (2012), após a derrubada da mata e preparo da terra, os agricultores passaram a buscar as agencias, do Banco do Brasil e do Banco da Amazônia, para financiar a produção do arroz.

Nos anos seguintes o banco do Brasil começou a financiar o plantio de arroz na região a juros baixos. Os agricultores plantavam somente arroz, geralmente nos meses de janeiro e fevereiro, no início do período de chuvas. As safras foram boas. O problema esbarrava na grande produção, que superlotava as usinas de beneficiamento cujos donos eram os compradores da própria produção. Com muita oferta o preço das sacas de arroz baixava.

No mês de agosto todos os financiados deveriam pagar seus empréstimos ao Banco para então requerer um novo. Na maioria das vezes o agricultor tinha que vender toda a produção a um preço inferior, comprometendo, assim, a quitação do acordo com a instituição bancária. (SANTOS, 2012, p. 91).

Além do arroz, os produtores locais também cultivavam diversos produtos para a subsistência como feijão, mandioca, verduras, criavam animais de pequeno e médio porte (aves e gado, que geralmente era usados para o transporte) e complementavam o fornecimento de proteínas com a caça.

Na década de 1970, com a instalação da Companhia Brasileira de Armazenagem (CIBRAZEM), em Santarém, os produtores de arroz encontraram um novo local para a comercialização de seu produto a preços melhores. A instalação da Companhia fazia parte das ações do Estado para a complementação do processo de modernização da agricultura e expansão da fronteira agrícola para as regiões interioranas do Brasil, conforme estudos apresentados por Graziano Silva (1980) e Francisco de Assis Costa (2012).

Em 1978, foi realizada a assembleia de fundação da Associação Comunitária Rural do Planalto Curuá-Una, (ASCORPLAUNA). De acordo com Santos (2012), esta foi a primeira associação de agricultores do município de Santarém. Uma das primeiras demandas da associação foi a aquisição de um veículo para amenizar o problema de transporte das comunidades.

Ainda no ano de 1978, a diretoria da associação apresentou as comunidades o caminhão pau de arara (figura 02), que realizava o transporte de cargas e passageiros, e levava a produção dos agricultores até os mercados e feiras na cidade de Santarém. Além do caminhão da associação havia outros caminhões que faziam o transporte de cargas e passageiros, inclusive uma linha de ônibus da empresa Transbrasiliana.

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Fonte: Jornal do Baixo Amazonas, janeiro de 1979.
Figura 2. Caminhão Pau de arara da ASCOPLAUNA

Em 1979, foi instalada uma serraria na comunidade de propriedade do senhor Nelson Shimit, natural do Rio Grande do Sul, que junto consigo trouxe a esposa, filhos e alguns trabalhadores conterrâneos, que também acabaram se estabelecendo em Boa Esperança. A chegada de famílias gaúchas na comunidade se insere no contexto da política de integração nacional, promovida pelos governos militares. A presença gaúcha na comunidade se tornou uma das suas marcas, conhecida popularmente como “a terra dos gaúchos”. Embora, não represente um grande percentual da população da comunidade, sua presença é marcante no dia a dia e no cotidiano.

A serraria foi montada em uma área de 100x100 metros, doada pela comunidade para atender a necessidade do empreendimento. A presença da serraria no local, além de gerar empregos, fomentou a instalação da rede de energia elétrica no ano de 1981.

Como se percebe, a década de 1970 foi bastante movimentada na comunidade, devido ao processo de imigração e organização da sociedade civil para enfrentar os desafios da produção agrícola na área de fronteira. Assim, foi possível a montagem de uma estrutura de forças produtivas, conjugando indústria e agricultura, que permitiram que a comunidade de Boa Esperança avançasse alguns passos em relação às demais comunidades do Planalto Curuá-Una.

Na década de 1980 foram realizadas algumas obras que permitiram um melhor aproveitamento dos recursos naturais disponíveis, em especial o uso da água. Foi instalado um carneiro hidráulico, e roda d’água que levava água até a comunidade. Em 1981, foi instalada a rede de energia elétrica, abriu a possibilidade de compras de eletrodomésticos, acesso a informações e cultura via televisão e rádio.

Para a comunidade de Boa Esperança, até a década de 1980, foi um período de consolidação das áreas agrícolas, com a derrubada de matas, formação de pequenas pastagens e roças. Foi também um período de formação de pequenas casas comerciais, pois devido ao aumento populacional e ao aumento da produção, alguns comunitários puderam se dedicar a outras atividades que não a agricultura e pecuária, como padaria, açougue, bares, usina de beneficiamento de grãos como o arroz, o milho e o café.

A seguir apresenta-se uma linha do tempo com as fases do processo desenvolvimento histórico da comunidade em questão (figura 03).

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Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Figura 03. Fases do desenvolvimento histórico da Comunidade de Boa Esperança.

A apresentação e discussão dos resultados da pesquisa referentes a terceira fase de desenvolvimento histórico da comunidade de Boa Esperança, serão apreciados em outra oportunidade.

Conclusions

A partir de meados do século XX, a produção da vida material da população que passou a habitar a região as margens rodovia Santarém Curuá-Una (PA-370), esteve diretamente relacionada às políticas públicas de desenvolvimento para região amazônica. Inclusive, à construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Curuá-Una, está situada num cenário onde a ideologia do nacional desenvolvimentismo se tornou hegemônico nos discursos políticos brasileiros, podendo ser percebido, inclusive na imprensa do município de Santarém, conforme pesquisa realizada em jornais do município nas décadas de 1950, 1960 e 1970.

A construção da UHE de Curuá-Una girou em torno das utopias de desenvolvimento da imprensa santarena, provavelmente, representando os discursos poder econômico local, apoiados em discursos nacionais desenvolvimentistas que defendiam a emancipação energética do município, capaz de garantir o tão sonhado desenvolvimento, pois o fornecimento de energia elétrica, era um meio para assegurar a infraestrutura básica à chegada de indústrias na região, como é caso das indústrias madeireiras, as primeiras a serem instaladas na região.

Conclui-se, dessa forma, que a comunidade de Boa Esperança surgiu em decorrência da construção da UHE de Curuá-Una e da rodovia estadual PA-370. A ocupação das margens da rodovia e a formação da comunidade em debate se relacionam às políticas de incentivo a imigração para a Amazônia, especialmente quando se verifica a presença de imigrantes nordestinos e sulistas.

Assim, o desenvolvimento das forças produtivas na comunidade de Boa Esperança até a inserção do agronegócio confirma as proposições de autores como Costa (2013) e Becker (1982, 1988), quando concebem a Amazônia como área de fronteira e de produção e reprodução do capital.